sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Conhecer é poder - No meio do caminho tem um poeta

No meio do caminho tem um poeta
Aproveite o centenário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade para valorizar a linguagem da poesia
Roberta Bencini (Roberta Bencini)

E agora, José? E agora, professor? Neste ano, comemora-se o centenário de nascimento de um dos poetas brasileiros mais famosos. O que você vai preparar para que sua turma aprenda a valorizar os textos literários e a reconhecer a qualidade de uma poesia?

Em sala de aula, lembrar Carlos Drummond de Andrade só terá sentido pedagógico se for para continuar o trabalho de formar leitores competentes. Faz parte desse processo ensinar a compreender o que está escrito nas entrelinhas de uma composição subjetiva e a utilizar a linguagem para expressar experiências, idéias e sentimentos. E isso pode ser feito independentemente de datas comemorativas com a obra de qualquer poeta, como Castro Alves, Mario Quintana, Paulo Leminski, Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes, Adélia Prado, Cecília Meirelles, Arnaldo Antunes e Gonçalves Dias, que aparecem nas fotos ao lado.

As sugestões que você lerá a seguir foram elaboradas para turmas a partir da 5ª série por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, e por professoras do Instituto Educacional Stagium, escola particular de Diadema, na Grande São Paulo, que desde o ano passado preparam um projeto de poesia.

Estratégia de pesquisa

Metáfora

A metáfora serve para criar imagens que representem idéias não-objetivas. No dicionário, a Lua é o satélite natural da Terra, mas na cabeça do poeta, ela é mais. Para Caetano Veloso, em Lua de São Jorge, ela é "...soberana/ Nobre porcelana/ Sobre a seda azul." E para seus alunos, o que é a Lua?

Para começar, procure destruir preconceitos. Poesia não é só sentimento, coisa melosa e piegas, como muitos alunos pensam. "Poesia é transgressão, é a subversão da língua. Ela pode fugir às normas estabelecidas conforme o efeito que se quer criar", explica Heloisa. Há argumento melhor para "seduzir" crianças e adolescentes?

Mostre a diferença entre um texto em prosa e outro em versos. Peça que os alunos apresentem as provas que incriminem os subversivos poetas, como a ausência de pontuação e a repetição de palavras e sílabas com o mesmo som e personificação.

O passo seguinte é "puxar a ficha", descobrir quem são esses artistas. Pedir uma pesquisa sobre a biografia, pura e simplesmente, é esperar como resposta a cópia de um livro ou de um site, afronta à inteligência de professores e alunos. Ensine a turma a selecionar, interpretar, organizar e relacionar dados e informações, importantes competências que devem ser exploradas em todas as disciplinas. Heloisa prioriza algumas habilidades nesse ponto: socialização das experiências de leitura, argumentação, busca de informações e consulta a diferentes tipos de fontes, misturando Língua Portuguesa e História (leia o quadro abaixo). "Faça o aluno perceber que um artista é a voz de seu tempo, que suas palavras servem de reflexão e crítica de uma época", sugere. Para ilustrar, inicie a aula com músicas de Renato Russo, da banda carioca O Rappa, de Cazuza ou do pernambucano Chico Science, conhecidos pelas letras com críticas sociais. E Drummond, será que ele também era uma voz de seu tempo? Lance a pergunta e selecione cinco datas marcantes na vida do poeta. Disponha-as em uma linha do tempo e peça que os alunos apontem fatos políticos e sociais importantes.

A seguir, peça que a turma interprete os dados e exponha o que entendeu. Promova uma discussão em roda para que os estudantes incorporem os artistas dessas décadas. Qual seria o assunto numa mesa de bar? O que os incomodava? Quais eram suas aflições e desassossegos? A pesquisa deve continuar com a seleção de poemas de Drummond que ilustrem essas fases históricas. Como o trecho de Nosso Tempo, escrito durante a II Guerra Mundial: "Este é tempo de partido,/ tempo de homens partidos."

No Instituto Stagium, o universo do poeta foi descoberto nas aulas de Informática. Além dos livros, os alunos garimparam e socializaram as melhores fontes de pesquisa na internet. "Há bastante material disponível, por isso é preciso coordenar o trabalho com um objetivo bem claro", conta a professora de Língua Portuguesa Maria Elisabeth Naves de Oliveira. A estratégia, nesse caso, foi encontrar trechos de poemas que revelassem como foi a infância do artista, quem era sua família e qual era sua posição social. Depois, construíram um mosaico literário com versos de vários textos que, encadeados com sentido, tornaram-se novas composições.

Dizer o incontível

Depois da biografia, para complementar o trabalho promova o estudo da língua. Mostre aos alunos que, à primeira vista, pode parecer simples "brincar" com as palavras. Quem nunca rimou dor com amor, por exemplo? Mas isso é só o começo: "Poesia é muito mais que versos e rimas", diz Heloisa. Se para tocar uma música é preciso dominar os recursos de um instrumento, para fazer boa poesia é preciso saber utilizar os recursos da língua. A arte consiste em combinar todas as possibilidades, extrapolar o significado exato das palavras e abusar dos apelos sonoros e visuais. "É preciso entrar no mundo da subjetividade. Nada é claro ou explícito. Caso contrário, o autor mandaria sua mensagem por meio de um texto jornalístico, de uma crônica ou carta", explica a consultora.

Uma aula sobre linguagem figurada pode começar pela análise da música Metáfora, de Gilberto Gil. Veja esse trecho: "Uma Lata existe para conter algo/ Mas quando o poeta diz "Lata"/ Pode estar querendo dizer o incontível". Pergunte a cada criança ou adolescente o que é uma montanha, além de uma grande elevação de terra; uma nuvem, além de partículas de pó, fumaça e gases; a Lua, além de satélite natural da Terra (veja o quadro abaixo). Abuse dos exemplos, explore a sensibilidade e a imaginação e peça que os alunos encontrem poemas de diversos autores em que as palavras tenham um significado diferente do apontado no dicionário ou nos livros científicos.

Para ensinar a apreciar poemas

• Não limite o estudo da poesia a rimas, versos e estrofes

• Para dar exemplos em aula, pesquise poemas que se destaquem pela sonoridade e pelas imagens

• Explore figuras de linguagem que dão efeito sonoro, como aliteração e assonância

• Leia textos para a classe em voz alta e releia sempre que ficar uma sensação de estranhamento

• Explore o sentido conotativo das palavras

• Compare textos poéticos com científicos

• Mostre a desobediência às normas da língua

• Não apresente a poesia apenas como expressão de coisas belas, amorosas e piegas, pois os meninos dificilmente se sensibilizarão

• Poesia não é fruto de trabalho espontâneo nem forma de desabafo. Mostre o árduo e consciente trabalho do poeta com as palavras

Se na poesia as palavras podem ter cheiro, cor, gosto e forma, não esqueça de mostrar os recursos sinestésicos da língua e exemplifique com trechos de poemas, como esse do mato-grossense Manoel de Barros: "Ao fazer vadiagem com letras/ Posso ver quanto é branco o silêncio do orvalho". Com a ajuda da turma, escolha palavras que sugiram gosto doce e amargo e fragrâncias agradáveis e ruins. Peça a construção de versos com elas.

Com as turmas de 7ª e 8ª séries, a professora Maria Elisabeth "pegou pesado" na análise estilística e crítica de textos de Drummond. O poema Caso do Vestido, em que uma mãe relata às filhas o adultério do marido, foi o mais apreciado pelos alunos. "A narrativa é maravilhosa. Aproveitei para pedir a análise psicológica dos personagens e uma discussão sobre o tema, que rendeu debates acaloradíssimos sobre a situação da mulher na sociedade de hoje".

Como se vê, não faltam opções criativas para trabalhar poesia em sala de aula. Cada figura de linguagem merece uma estratégia. Fique de olho nas reportagens de jornais e revistas que serão publicadas sobre os 100 anos de Drummond, pesquise e elabore um bom projeto para que sua turma remova, de vez, as pedras do meio do caminho da poesia.

Artigo disponível nos site da Revista Nova Escola
http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/meio-caminho-tem-poeta-423522.shtml