sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cantinho da aula - Filosofar é aprender a morrer

Objetivos: Discutir a ideia de morte na Filosofia, tendo como base o pensamento de Platão, Sócrates e Epicuro
Conteúdos: Conceito de vida e morte; Platão; Sócrates; Epicuro
Tempo estimado:Duas aulas
Introdução
Tradicionalmente ligada a questões espirituais, a morte encerra tanto uma certeza inabalável quanto um dos maiores enigmas da humanidade. Ocupando um lugar privilegiado em cultos, narrativas e dogmas de religiões das mais diversas etnias e culturas, sua fatalidade permanece envolta em temores, mistérios e tabus ancestrais. Assim, como mostra o artigo “A Arte do não morrer” de Betty Milan, publicado em VEJA, refletir sobre o significado da morte é condição fundamental para se compreender o próprio sentido da vida.
Desenvolvimento
1ª Aula
Apresente aos alunos a frase “Quem ensinasse os homens a morrer, os ensinaria a viver”, postulada pelo filósofo Montaigne (1533-1592). Pergunte à turma o que entenderam dessa sentença aparentemente paradoxal. Ouça as respostas e explique que, por se basear em argumentos racionais, a filosofia nos ensina a enfrentar com tranquilidade o medo do desconhecido. Compreender a mortalidade como parte indissociável da condição humana é o primeiro passo para lidar com o fato. Se todas as criaturas estão fadadas a morrer, somente o homem é capaz de refletir sobre a própria morte e, desta forma, de se preparar conscientemente para ela.
Aproveite a primeira aula para expor à turma a influência da ideia de morte no pensamento filosófico. Comece contando aos alunos que Montaigne não foi o único filósofo a refletir racionalmente sobre a experiência da morte. De Platão (428-347 a.C.) a Heidegger (1889-1976), a tradição filosófica é repleta de teorias e ensinamentos sobre este tema, tão amedrontador quanto instigante. Schopenhauer (1788-1860), um dos mais ilustres pensadores alemães do século 19, chega ao ponto de afirmar: “A morte é a musa da filosofia, e por isso Sócrates a definiu como ‘preparação para a morte’. Sem a morte, seria mesmo difícil que se tivesse filosofado”.
O parentesco entre o exercício filosófico e a experiência da morte aparece em destaque em um dos mais belos diálogos platônicos: o Fédon – dedicado ao tema da imortalidade da alma. Escrita em 360 a.C., a obra seminal narra os últimos momentos da vida de Sócrates, instantes antes de tomar cicuta em cumprimento da pena capital à qual fora condenado pelas autoridades atenienses. Relembre com a turma tal episódio, discutindo a escolha do filósofo, que prefere a morte a ter que abrir mão de “viver bem” – isto é, de pautar sua vida em critérios e valores definidos pelas leis da pólis. (veja, no final deste plano, indicações de leitura sobre a morte de Sócrates).
Não por acaso, a atitude socrática serve de pretexto para confirmar um argumento exposto por Fédon: “O indivíduo que se dedicou a vida inteira à filosofia terá de mostrar-se confiante na hora da morte”. Isso porque, segundo Platão, quem de fato demonstra verdadeiro amor pela sabedoria (sofia) só pode sentir-se satisfeito ao romper os grilhões da vida para ascender ao mundo dos arquétipos ou ideias perfeitas. Pergunte aos alunos o que entendem dessa frase. Qual a relação dela com a morte de Sócrates?
Ouça as colocações da moçada e, em seguida, explique que, de acordo com o dualismo platônico, a realidade se divide em duas dimensões antagônicas e irredutivelmente distintas entre si: a do corpo e a da alma. A primeira representa a esfera efêmera, ilusória e, portanto, inferior da simples matéria; enquanto a segunda traduz a vida eterna, imutável e verdadeira do Lógos a ser alcançada pela contemplação filosófica – do ponto de vista do espírito, semelhante à própria morte. Platão defende a tese de que o autêntico filósofo não apenas se mostra sereno e destemido diante da morte, como ainda a deseja conscientemente. Afinal, em última instância, a morte representaria, para o filósofo, a libertação definitiva do cárcere do corpo.
Indague se a garotada concorda com a proposição e por quê. Em seguida, explique que a visão de Sócrates e Platão sobre a morte não é consenso na Filosofia. Diga à turma que, na próxima aula, eles vão estudar outro filósofo, Epicuro de Samos (341-270 a.C.), que se contrapõe à ideia platônico-socrática. (Para saber mais sobre Epicuro e o pensamento helênico, acesse os links ao final deste plano).

2ª Aula
Revise o conteúdo exposto na aula anterior, enfatizando a relação da morte com o exercício da própria filosofia. Em seguida, pergunte aos alunos que outras relações podemos estabelecer com a ideia de morte. Ouça as respostas e comente que, diferente de Platão e Sócrates, o filósofo Epicuro de Samos discordava da ideia de vida eterna e acredita que o fim da vida é um acontecimento natural, em que as partículas que constituem o corpo simplesmente se dissolvem.
Apresente à classe as informações abaixo, enfatizando as diferentes visões de Epicuro e Platão.
Platão x Epicuro
Ao contrário da ênfase exacerbada no mundo das ideias proposta por Platão, a filosofia epicurista tem como princípio básico a felicidade (eudaimonia) obtida pela prática da ataraxia – isto é, pela calma e apatia em relação aos apetites mundanos. Para isso, suas doutrinas valorizam o prazer (hedoné) como algo natural, argumentando que a realização de nossos desejos espontâneos pode ser benéfica para a saúde – simultaneamente, do corpo e da alma – desde que equilibrados pelo uso ponderado da razão.
Diferente do pensamento socrático-platônico, a filosofia de Epicuro é marcada por seu caráter preponderantemente hedonista – ou seja, favorável aos prazeres moderados. As divergências entre os dois sistemas pode ser ilustrada pelo o fato de Platão ter fundado sua escola como uma “Academia”, ao passo que Epicuro preferiu reunir-se com seus discípulos ao ar livre – daí sua escola ser conhecida na Antiguidade como “Jardim” (Kepos).
Um dos grandes méritos de Epicuro foi ter contribuído para libertar as pessoas do medo – sobretudo, do medo da morte. Ao considerar o ser humano como uma entidade coesa, formada por um conjunto de átomos em movimento, Epicuro concebe o fim da vida como um processo tão inevitável quanto natural, descrito como a simples dissolução destas partículas elementares – que, mais tarde, se reunirão novamente, dando origem a outros seres. Razão pela qual o filósofo sustenta: “A morte nada significa para nós”. Ao contrário do que acreditavam Sócrates e Platão, ele justifica sua convicção: “A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo”.
Terminada a explicação, converse com os alunos sobre as duas visões, enfatizando a riqueza das discussões para o desenvolvimento do pensamento filosófico.

Avaliação
Peça à moçada que elabore uma redação que esclareça o sentido da frase de autoria de Montaigne, que dá título a este plano de aula: “Filosofar é aprender a morrer”. Em seguida, pergunte: “Você concorda com ele? Por quê?”

Plano de aula disponivel no site da Revista Nova Escola