quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cantinho da aula - Investigadores de fenômenos naturais.

Responder às dúvidas de crianças de 1º ano rende um projeto de observação e pesquisa da natureza que pode se estender por um bimestre - ou até mais
Um dia, numa roda de conversa, o pensamento da aluna Giovanna Orrú voou longe. “De onde vem o vento?”, ela perguntou. Um colega emendou: “Quem colocou as nuvens no céu?”Uma avalanche de questionamentos fez cair por terra o plano de aula daquele dia. A professora Elisabete Duarte, da Escola Nossa Senhora do Morumbi, em São Paulo, tinha programado, com antecedência, abordar o corpo humano, mas não perdeu a oportunidade de transformar a perspectiva fantástica que as crianças têm do mundo em novos conhecimentos de Ciências. O que fazer depois das perguntas infantis pode ser decisivo para o desempenho e o interesse pela disciplina. Elisabete ouviu a discussão dos alunos, esperou uma brecha para entrar no papo e perguntou o que mais eles queriam saber sobre os fenômenos naturais.Começava assim um novo projeto na escola, que durou um bimestre e rendeu uma estação meteorológica artesanal no pátio, construída pelas próprias crianças, com materiais simples e baratos (leia o quadro).
NO PÁTIO - A estação meteorológica: Veja como construir instrumentos para medir a variação atmosférica iguais aos feitos pela escola de São Paulo
1 Biruta:Mostra a direção do vento. Com arame em forma de coador, um pedaço de tecido e uma vara de bambu (com cerca de 3 metros de comprimento), as crianças observavam se havia movimento e a orientação do ar.
2 coletor de chuva: Sem um pluviômetro, que mede a quantidade de chuva, neve ou granizo, a turma improvisou um coletor feito de garrafa PET. Os alunos recolhiam o líquido armazenado e calculavam a quantidade em outro recipiente com medidor.
3 Higrômetro: Serve para medir a umidade da atmosfera. O funcionamento é baseado na variação do comprimento de um fio de cabelo. Um peso na ponta do fio e uma régua apontam a medida. Quando a umidade relativa aumenta, o fio também aumenta.
4 termômetro: Registra as variações de temperatura ao longo dos dias. Foi o único instrumento adquirido pronto pela escola.
Para Kátia Nunes Pinto, professora da Fundação Centro de Ciências e de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), as escolas precisam dar mais atenção à alfabetização científica no projeto pedagógico e oferecer uma abordagem baseada na realidade dos estudantes para ir cada vez mais fundo na exploração dos conceitos.“As crianças são grandes observadoras. Ignorar a curiosidade natural é ignorar seus saberes e a importância da Ciência”, explica. Veja a seguir uma série de atividades desenvolvidas pela professora Elisabete, que privilegiou duas importantes competências: saber observar e saber pesquisar. As etapas foram pensadas para contemplar também trabalho em grupo, pequenas investigações, pesquisas teóricas e práticas e muita leitura e escrita de textos científicos.

O projeto, passo a passo
1. O que ensinar
É famosa esta frase do filósofo francês René Descartes (1596-1650): “A dúvida é o início do conhecimento”. Grandes descobertas científicas partiram de questionamentos simples, levantados por crianças e adultos. Foi assim, por meio de dúvidas e problemas, que o projeto se estruturou. Os alunos queriam dar sentido à chuva, aos terremotos, aos ventos, ao dia e à noite, aos trovões e aos relâmpagos. A professora estimulou o surgimento de mais perguntas quando percebeu que a conversa poderia ser o pontapé inicial para abordar solo, ar, água, luz, o movimento da Terra, o tempo, o clima e as estações do ano (conteúdos previstos para as séries iniciais). Durante o bate-papo acalorado, Elisabete anotou os principais questionamentos e pediu que os alunos trouxessem de casa informações e dados que pudessem ajudar no começo das investigações.
2. Hora de pesquisar
Para a aula seguinte, a professora selecionou enciclopédias e livros didáticos e paradidáticos que abordavam os assuntos levantados pelas crianças. No total, eram 18 obras com linguagem, fotografias e ilustrações acessíveis à faixa etária da turma.Recortes de revistas e endereços na internet completaram a pesquisa. Depois, foi preciso organizar um calendário de idas à biblioteca e à sala de informática (leia mais no quadro da página 66). “O contato com os textos científicos é possível nas séries iniciais.Uma dica é promover o encontro em situações de desafio”, explica Kátia, da Cecierj.Divididos em grupos, os alunos folhearam os livros que traziam informações sobre os fenômenos naturais e puderam conversar sobre as descobertas. Em rodas de leitura, Elisabete apresentou novos dados e pistas.
3. Levantamento de hipóteses e registro
Foi proposto às crianças que desenhassem suas hipóteses sobre alguns fenômenos, como o arco-íris e o dia e a noite.As produções misturavam informações teóricas (obtidas na pesquisa realizada anteriormente) e fantásticas (fruto da imaginação e da literatura infantil).Numa roda de conversa, os autores apresentaram suas idéias e a professora relacionou as informações dos desenhos com as encontradas nos livros, deixando clara a explicação científica. “É a hora de fazer associações, estabelecer relações e mostrar as regularidades dos fenômenos da natureza”, explica Elisabete.
Todas as descobertas eram registradas num bloco, que recebeu o nome de Caderno dos Pesquisadores. As anotações e os desenhos eram feitos em duplas e individualmente (as crianças que já sabiam escrever se tornaram escribas da turma). Nas aulas de Língua Portuguesa, os textos eram corrigidos e reescritos coletivamente, uma vez que todos sabiam os objetivos da atividade: aprender a organizar as idéias selecionadas. O projeto garantiu que a língua escrita fosse explorada em situações reais de uso. Confira algumas das frases registradas no papel:

■ “O sol esquenta a água do rio e do mar, que sobe para a nuvem. Ela fica tão pesada que estoura e se transforma em chuva.”
■ “Eu sei onde cai neve. É onde mora o pingüim.”

4. Coleta de dados
No pátio, a professora fez a conexão entre os conceitos aprendidos em sala de aula e na biblioteca. A turma passou a observar o tempo, as nuvens, a temperatura e a umidade do ar, a cada três dias. Para ajudar na tarefa, foi construída uma estação meteorológica artesanal (bem simples e pouco precisa). O objetivo era colocar as crianças em contato com os métodos científicos, aprofundar os conhecimentos adquiridos recentemente e abordar o clima. Por cerca de três meses, todos pesquisaram como medir alguns fenômenos atmosféricos, construíram instrumentos (biruta, coletor de chuva e higrômetro), conheceram o funcionamento de um termômetro e coletaram os dados em papeizinhos do tipo post-it, que eram anexados num mural. Posteriormente, gráficos foram elaborados com a variação da umidade, da temperatura, da direção do vento e da nebulosidade. A turma conferiu as regularidades da natureza e aprendeu uma maneira diferente de organizar as informações numa série de atividades de comparação e análise de dados.
5. Experiências práticas
No laboratório, com o educador Adriano de Oliveira, os estudantes comprovaram as teorias levantadas sobre a formação da chuva. Dentro de um aquário foram colocados água quente e um copo vazio. O recipiente foi lacrado com papel filme e em cima dele se despejaram pedras de gelo.O contato do vapor quente com a superfície gelada formou gotas de água, que encheram o copo vazio.O experimento abordou os estados da água e transformou o olhar das crianças, que nunca mais foi o mesmo ao observar o céu.

Disponível no site da Revista Nova Escola